O cancro da corrupção
Toda a gente sabe o que é este fenómeno tão comum e popular em Portugal. Todos pelo menos têm conhecimento ou são testemunhas desta actividade muito comum. Pelo menos... porque a maioria já recorreu a isso para alguma coisa. Quem nos dá mais uma vez um grande documento de retrato da sociedade portuguesa e do nosso concelho é o sociólogo Pedro Costa, no "Notícias da Barca". Já há algum tempo tinha feito um retrato do atraso económico do concelho de Ponte da Barca em relação aos que o rodeiam (http://nadasobreabarca.blogs.sapo.pt/21171.html). Desta vez fala-nos da corrupção, merecendo o elogio de todos, como já fez Boaventura Silva nesse mesmo jornal. É de facto, dos poucos que escreve artigos muito acima da média de qualidade a que os jornais regionais nos têm habituado.
Logo à partida, Pedro Costa dá-nos no seu artigo a definição de pessoa corrupta:
"(...) pessoas que contornam a legalidade com esquemas que adulteram as características originais de algo e visam interesses alheios aos interesses da sociedade."
Se normalmente alguém com mais apetência "instintiva" para este tipo de actividades é aquele que ocupa um cargo com poder de decisão, também ele dá-nos exemplo de como este cancro se estende até às pessoas de todos os "níveis" sociais, e não só aos mais poderosos:
"Temos que pensar que o corrupto é um indivíduo desviante, e para se ser desviante não é preciso ter poder, pelo contrário, é preciso estar-lhe submisso."
A partir daqui estão lançados os dados: alguém com poder de decisão é corrupto para com alguém com menos, para dar uma "tachada" ou também denominados "jeitinhos". E quando o mais pequeno sobe na vida através desse meio, vai continuar a praticar com o novo estatuto que eventualmente adquira, até porque os mais pequenos querem subir na vida, e sem cunhas pouco atingem as suas metas por mérito próprio. E não é preciso ser-se mais "pequeno" no nível social para se andar à procura do senhor "fulano". Também o "peixe graúdo" é "solidário" entre ele. Vejamos mais excertos que este sociólogo escreveu:
"O problema é que a corrupção gera um efeito de bola de neve, isto é, quanto maior o grau de corrupção existente, maior a necessidade de viver constantemente na ilegalidade."
"Passo a exemplificar: (...)
Aquele que procura emprego já quase não concorre a uma vaga sem que antes se informe para saber a quem se deve dirigir. Isto significa que a estrutura de acesso ao emprego têm como base a corrupção - isto é, contornando a ilegalidade. A estrutura está corrompida, os decisores estão completamente de acordo com o estado corrompido do sistema de acesso ao emprego (porque aceitam e alinham no jogo da "cunhocracia") e o jovem que procura emprego passa a ser corrupto porque não encontra outra forma de aceder a um lugar no mercado de emprego. Cumpre-se um ciclo.
Entretanto, assim que esse jovem possuir condições para entrar na "cunhocracia", certamente se lembrará do que lhe aconteceu no acesso ao emprego e, na etapa seguinte, a solidariedade básica entre seres da "mesma espécie" e a propensão humana para a maximização do lucro (seja ele qual for) fará o resto. Cumpre-se mais um ciclo."
Que exemplo magnífico! E não só nos pedidos de emprego. É nos pedidos a alguém que trabalhe num hospital para passar à frente a uns quantos da lista de espera, é um pedido numa instituição pública a "fulano" para se escapar a uma multa, é na admissão dos idoso para conseguirem entrar num lar, é até em situações em que para fazer valer algum direito ou razão é preciso passar por cima da lei, metendo uma "cunha", etc. Ora diga lá se tudo isto lhe é assim tão estranho?!
E por tudo isto todo o país está amorfo quando se fala em termos de União Europeia. E mais do que isso está atrasado, viciado e "podre":
"Senão tudo isto acaba até por ser irónico, pois esta forma de agir corrupta está de tal forma enraizada na nossa matriz de comportamento que se agirmos pela legalidade quase que somos vistos como desviantes."
E não é que quem age perante a lei é que é o "mau da fita" perante a sociedade?!