A casa mais indesejada de Vila Nova de Muía
Foi noticiado na imprensa regional, por Manuel Cerqueira Alves, mais um dos belos assuntos de confrarias e “fabriqueiras” da nossa terra. Mas não confunda: não é o habitual comentador e “especialista” em eventos religiosos, Manuel Cerqueira Soares que escreve. Este também é Manuel Cerqueira, mas é Alves. Esclarecidas estas confusões, passemos ao assunto propriamente dito. Começa, no referido artigo noticioso, por nos ser contada a história de uma “casinha” na qual era em tempos do “antigamente” que “aos acompanhantes dos funerais se servia uma fatia de pão e um copo de vinho; e, aos homens que transportavam a urna, a mesma ementa mais o tradicional bacalhau frito.” Às gerações mais recentes, e às mais antigas que mais reflectem, poderá parecer caricato, mas acontecia mesmo! Hoje, esta casa, é, após restauro, e segundo palavras do escritor, “uma óptima Capela”. O problema é que, segundo as palavras do mesmo andam a “incutir na cabeça dos vilanovenses que a Capela mortuária era demasiado pequena e sem as mínimas condições.” E desta forma vive-se em Vila Nova de Muía a polémica de haver pessoas que não querem ir para a Capela mortuária, apesar da sua utilidade ser receber os mortos. É de facto hilariante, e o barqueiro está de pleno acordo com o autor do artigo. Tantas freguesias sem casa mortuária, e esta, que a tem, dá-se ao luxo de haver pessoas que não a querem usar. E é mesmo “darem-se ao luxo”, pois segundo palavras do próprio autor do artigo “a capela tem luxuosas casas de banho e tem trinta metros quadrados”. E acrescenta: “Será que quando as pessoas depositavam os seus familiares nas suas residências o faziam numa divisão com área superior a esta?”. Fica aqui o apelo ao povo desta freguesia para usarem uma Capela mortuária que muitas freguesias não têm, e ainda por cima espaçosa. Se não se convencem que é grande, vejam neste vídeo o que o grande espaço até permite fazer.
A morte é um assunto que ainda faz correr muita tinta nas discussões paroquianas. Desde os tempos em que se faziam manifestações complexas da complexidade da psicologia humana, como os “prantos” e as “comezainas” no funeral (com bacalhau!), até à actualidade como a do nosso concelho, em que se discutem as condições do lugar que recebe os “mortos”, e que ainda por cima não se têm eles próprios queixado das condições de recepção enquanto mortos (que é para eles que o lugar é destinado). Enfim, complexidades dos funerais do mundo religioso e interiorizado, nos quais há demasiadas preocupações com aparências, por vezes poucas com os mortos, e que no fim de contas muitos dos que comparecem aos funerais gostariam de acabar como antigamente: a petiscar e a conviver. Senão vejam o vídeo.
Dia 1 de Novembro - Dia de "floriados"
É no jornal “Notícias da Barca” que pudemos ler o melhor artigo escrito acerca do dia 1 de Novembro em toda a imprensa regional de Ponte da Barca. O seu autor é Manuel Silva Machado, e o seu título “Lidar com os Mortos”. Nele é descrita a forma “difícil” com que lidamos com os mortos, e por outro lado caricata. “(…) As conversas rápidas ou as trocas singelas de palavras com os outros que vieram à cerimónia (funeral), testemunham o ligeiro mal-estar que se instala sempre entre os vivos.” Com isto, o autor não quereria dizer, por outro lado, que “fica mal” não chorar durante um funeral, como se fazia antigamente com um dos hábitos mais macabros e vergonhosos do antigamente: o “pranto”, que predominava num mundo conservador e rural à imagem de Salazar. Significa sim que as pessoas escondem “a complexidade de afectos que entretinha com o morto.” Parece que há incómodo em viver perante a sociedade o que realmente cada um de nós sente acerca da morte e dos mortos que fizeram parte da nossa vida.
Todo o desfile de adereços das campas que se colocam nesse dia é algo “sem qualquer sentido”. Como este autor também diz, “O morto morreu, e nós que vamos caminhando no sentido de lhe ocupar o lugar, deixemos esses floriados e façamos com que uma simples lágrima furtiva desça pela face em sinal de dor.”
O que é mais triste, é que tenha de haver um “Dia do Morto”, como um dia de uma outra coisa qualquer, para que uma vez por ano haja pessoas que se lembrem dos mortos.